quinta-feira, 30 de setembro de 2010

ELEIÇÕES 2010

Estamos prestes a irmos as urnas para fazer valer a democracia. Aqui, ficam as dicas:

1- examinem a biografia dos candidatos (as);

2- não vendam seu voto;

3- denunciem abuso de poder.

Bons votos a todos!!

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

FICHA LIMPA!!!

Pra quê se perder tantas horas em um julgamento tão "idiota", já que não existe político nenhum limpo. É tudo da mesma espécie!!! Precisavam perder tempo julgando casos de pessoas que cometeram crimes cruéis!!!

domingo, 18 de abril de 2010

HOMENAGEM A AMIGA ELIANA CALADO!!!

Segue abaixo um lindo texto histórico de uma historiadora que está crescendo no campo da História:


MINHA VIDA É UMA HISTÓRIA?
REFLEXÕES SOBRE NARRATIVA DO EU E SABER HISTÓRICO
Eliana Alda de Freitas Calado
Doutoranda UnB
elianacalado@gmail.com
Definir o campo de interesse do conhecimento histórico é uma prática difícil, pois, como
bem se sabe, esta disciplina e aquilo que lhe é considerado como próprio, está em constante
movimento, perpetuamente se fazendo, se inventando. Não houve, ao longo do tempo, uma
substituição das suas fontes e dos seus objetos, mas antes, uma pluralização destes. O que
antes era considerado como específico da história - ou seja, os fenômenos, os acontecimentos
considerados decisivos para um grande número de pessoas e comandado pela consciência
humana, como revoltas, movimentos políticos, desenvolvimento urbano, relações comerciais,
etc., - não deixou de ter a sua importância para esta área, cujo principal interesse permanece o de
saciar sua curiosidade sobre a experiência humana nas mais diferentes esferas, mas outros
objetos vieram somar-se a estes. Ocorreu uma transformação teórica, uma mudança de
perspectiva na concepção dos caminhos que podem levar ao conhecimento e também das
maneiras de se percorrer esses caminhos, uma mudança cujo maior sentido é o de propiciar uma
compreensão mais aprofundada das relações humanas ao longo do tempo, respeitando a sua
complexidade.
A subjetividade é uma das esferas que, dentro dessa transformação, ganhou uma nova
perspectiva e se vê ressaltada por muitos profissionais, convencidos que estão que não se
“chega” ao passado de maneira imparcial e que nã se consegue entendêlo sem intervençã do
pesquisador, em uma suposta essêcia. Mas a subjetividade édestacada nã apenas pelo que
se pode considerar como sua funçã metodolóica (a forma de compreensã de determinado
objeto, condicionada, em parte, pelo olhar do estudioso), mas també pela sua funçã enquanto
fonte de pesquisa, enquanto objeto de estudo, em outras palavras, pela compreensã de que o
sujeito e a expressã da sua individualidade, ou melhor, da sua subjetividade (este termo abarca
e ultrapassa o da individualidade) sã importantes para o conhecimento históico.
Este processo éparte de uma redefiniçã cultural mais ampla, que abrange um
redimensionamento da questã do sujeito, de valorizaçã da experiêcia individual. A
compreensã dessas práicas de produçã de si perpassa necessariamente pela questã da
construçã na modernidade ocidental do indivíuo enquanto valor, na medida em que um sujeito
éconsiderado como igual ao outro, e enquanto princíio, quando se considera que o prório
indivíuo éautor e fonte das regras que o rege. Esta lóica, principalmente, a partir do perído
renascentista, suplanta pouco a pouco a da coletividade, culminando com a cultura iluminista. Isto
nã significa, evidentemente, que, antes desta éoca, nã existissem práicas escritas de
produçã de si. Michel Foucault, por exemplo, remonta ao Impéio Romano para explorar duas
formas de escrita auto-referencial: as hypomnemata (espécies de agendas, contendo registros de
funções administrativas ou pessoais) e a correspondência.
A valorização da experiência do sujeito não implica numa consideração exagerada da
dimensão pessoal e de uma depreciação da importância do social. O sujeito não é fechado em si
mesmo como uma mônada, conforme o pensamento leibniziano, segundo o qual não existiriam
senão realidades individuais, independentes, sem interação. O sujeito ultrapassa a sua dimensão
individual. O princípio da subjetividade, diferentemente do da individualidade, entende que o ser
transcende a sua imanência, que está aberto ao outro; longe de estar enclausurado em si
mesmo, pode comunicar, servir, trabalhar em conjunto: “assim, os tempos modernos sã de
consagraçã do lugar do indivíuo na sociedade, quer como uma unidade coerente que postula
uma identidade para si, quer como uma multiplicidade que se fragmenta socialmente, exprimindo
identidades parciais e nem sempre harmôicas.”
Éimportante lembrar que o sujeito nunca se constitui sozinho, mas somente em relaçã
ao próimo, pois considera-se membro de um conjunto, mantendo entretanto, sua autonomia, na
medida em que éautor e fonte de suas atitudes, portanto, responsáel, em parte, por elas e pelas
diferençs entre si e o conjunto. Surge, pois, “uma sociedade em cuja cultura importa aos
indivíuos sobreviver na memóia dos outros, pois a vida individual tem valor e autonomia em
relaçã ao todo. Édos indivíuos que nasce a organizaçã social e nã o inverso.” A vida
humana, úica, na sua singularidade, na sua especificidade e, ao mesmo tempo, representativa
da experiêcia humana em toda sua pluralidade, tornou-se considerada e apreciada enquanto
objeto históico. Por isso mesmo, as práicas de produçã de si passaram a ser consideradas
como documentos históicos.
Surge entã a questã da relaçã da históia com a narrativa do eu. Primeiramente, cabe
definir este tipo de escrita, contextualizando-a, e, em seguida, de compreender sua ligaçã com o
saber históico, as possibilidades e os limites deste diáogo. Este texto foi motivado pela pesquisa
de doutorado que desenvolvo na áea de Históia Cultural da Universidade de Brasíia e que tem
por objeto as autobiografias de Simone de Beauvoir. O leitor compreenderáentã por que muitos
dos temas que aqui irei desenvolver tê como base a escrita de Beauvoir.
Narrativa do eu, de si, auto-referencial, ítima, pessoal, autobiográica sã algumas das
denominaçõs para a práica escrita da produçã de si. Seu principal objeto de investigaçã, ou
atémesmo de especulaçã éo “eu”, o prório sujeito que narra, que realiza este registro a partir
de um princíio de sinceridade. Quando se escreve sobre si, estáimplíita a crenç na
importâcia da comunicaçã de determinada experiêcia individual. Sem acreditar nesta
relevâcia, nã hárazã para se escrever este tipo de narrativa, épreciso querer expressar,
registrar, informar sobre seus gostos, seus projetos, seu cotidiano, seus valores para escolher
escrever uma carta, uma autobiografia, um diáio. E éisso que interessa àhistóia: compreender
por que, como e o que o relato de uma vida, ou de partes de uma vida tem de significativo para o
conhecimento das relaçõs humanas.
Dentro deste tipo de escrita, existem diversas modalidades: diáios, correspondêcias,
memóias, testemunhos, autobiografias, auto-retratos, etc. Entre algumas, as diferençs sã
notáeis: dificilmente, se confundiria uma carta com um auto-retrato, mas entre algumas outras,
as caracteríticas sã mais fluidas e nem sempre o limite entre uma e outra fica claro, como éo
caso, por exemplo, das memóias e das autobiografias. Esta discussã pode parecer, a princíio,
supéflua, mas, se pretendemos relacionar este tipo de escrita com o conhecimento históico, este
esforç de definiçã pode se revelar importante, pois algumas dessas categorias sã
ovacionadas por uma credibilidade reconhecida, servindo atéde prova incontestáel para alguns,
enquanto outras sã taxadas de mera narrativa descritiva umbiguista.
Uma narrativa apoiada na primeira pessoa foi vista, bastante freqüntemente, com maus
olhos: individualista, egóatra, narcíica, exibicionista: em que a narrativa da sua vida pessoal
pode interessar ao outro? E esta desaprovaçã nã écoisa do passado: blogs, fotologs, perfis
em sites de relacionamento são formas de expressão da subjetividade que, costumeiramente,
são alvos de desconfiança, entendidas como uma exposição desnecessária do indivíduo, ávido
por ultrapassar as barreiras do anonimato e conhecer o poder da fama. O que nos faz discernir
entre o que é interessante num relato autobiográfico e o que é supérfluo? Qual o critério para que
algumas narrativas sejam consideradas meras anedotas e mexericos e, portanto, uma inutilidade
para o público - mero fruto da exibição e do narcisismo de um espírito ansioso por
reconhecimento - enquanto outros, ainda que relatando acontecimentos diários e corriqueiros,
sejam compreendidos como importantes para o saber histórico?
Pensemos, por exemplo, num testemunho de um sobrevivente de guerra. A subjetividade
de quem fala na primeira pessoa pode se revelar uma grande vantagem, considerando-se que,
por ter vivido “na carne” determinadas situaçõs, este indivíuo tenha uma autoridade maior para
falar deste acontecimento do que uma outra pessoa, que acompanhou esta guerra atravé dos
meios de comunicaçã. Éprováel que o seu testemunho seja tomado como uma fonte preciosa
e quase imprescindíel para se conhecer a guerra, enquanto que o relato daquele que
acompanhou a guerra distante geograficamente, possa ser entendido como facilmente
descartáel. Neste caso, nã se leva em conta a possibilidade do testemunho ser falso, ou, nem
precisando chegar a tal extremo, que tenha sido construío a partir de um ponto de vista um tanto
extraordináio, como seria o de um nativo que, em meio ao espíito de violêcia dos invasores,
tenha tido o acaso de conhecer um estrangeiro disposto a salválo de querelas entre seus
compatriotas, ajudando-o a ter vantagens que antes lhe eram desconhecidas. O estrangeiro
poderia entã ser visto e narrado como um heró, como um espíito altruíta, capaz de sair de sua
prória terra para ajudar um próimo nã tã próimo, nã importando se essa mesma guerra
para a maioria dos nativos tenha se revelado um verdadeiro desastre. Imaginemos que, por sua
vez, aquele sujeito que acompanhou a guerra àdistâcia tenha estudado e analisado este
acontecimento sob diversas perspectivas, compreendendo de maneira mais profunda a sua
complexidade e, apó algum tempo, decidido escrever as suas memóias sobre isto. Qual
narrativa estaria mais capacitada para fazer compreender a complexidade da guerra?
Nã vamos, nem por isso, pregar verdades e descartar o testemunho e valorizar as
memóias do exemplo. Essa suposta guerra nã foi uma coisa ou outra, ela foi uma coisa e outra.
O que aqui se encontra em jogo é o status das fontes e a possível conseqüência histórica que daí
decorre. Muitas vezes, um testemunho foi visto como mais credível do que outras modalidades de
narrativas auto-referenciais e é por esta razão que se torna válido o esforço em defini-las, mesmo
sabendo dos limites conceituais. Exploremos, pois, alguns tipos de narrativas íntimas.
Por autobiografia, podemos entender uma narrativa retrospectiva, geralmente em prosa e
seguindo uma ordem cronológica, na qual as identidades do autor, narrador e personagem se
confundem. Este gênero tem como objetivo narrar o processo de construção desta identidade,
em outras palavras, oferecer ao leitor a possibilidade de aprender como o autor se tornou aquilo
que ele é. No auto-retrato, não existe a intenção de apresentar este processo de construção,
relata-se o presente, freqüentemente, de acordo com uma ordem temática. A pergunta básica a
que o auto-retrato se propõe a responder não é “como me tornei quem sou”, como no caso da
autobiografia, mas “o que sou”?
A distinçã entre memóias e autobiografias, como jádissemos, éum pouco complicada.
Em tese, a autobiografia estaria predominantemente voltada para a vida pessoal, enquanto que
as memóias estariam voltadas para o relato de acontecimentos púlicos, vividos pelo autor, que
se coloca assim na posiçã de testemunha de sua éoca. O que dizer de um relato que se
dedique a estes dois aspectos ao mesmo tempo? Essa linha têue nem sempre éfacilmente
detectada. O termo utilizado por Simone de Beauvoir para narrar a sua vida pessoal é“memóias”, estando atémesmo presente no seu primeiro livro autobiográico: Memórias de uma
moça bem comportada. No entanto, ainda mais fortemente nesta obra do que nas seguintes, o
seu relato está fortemente centrado na sua vida pessoal, nas suas perspectivas, na construção
escrita do processo que a fez tornar-se quem é, justificando, portanto, o uso da categoria
autobiografia para definir o conjunto dos livros nos quais narrou a sua própria vida.
A definição de memórias, pelo entendimento acima apresentado, se aproxima muito
daquilo que se entende por testemunho, com a diferença de que este último é sempre de autoria
de alguém que viveu de perto (geográfica e emocionalmente) determinado fato, enquanto que o
termo memórias pode designar uma narrativa de determinado acontecimento, fenômeno ou
época, acompanhado (a) à distância, como foi o caso do exemplo que demos anteriormente. Isto
não impede, na prática, o uso do termo memórias para se designar um testemunho. Insistimos:
essas definições são apenas uma base para explorar a escrita de si, não algo fixo e decisivo.
Outra forma de escrita de si é o diário. É comum a idéia que esse tipo de escrita, assim
como a correspondência, não tem a intenção de ser conhecido pelo grande público, mas é
destinado a um só destinatário: ou a si mesmo ou àquele ou àquela a quem se dedica a carta. A
um diário, não se teria, de acordo com este entendimento, motivos de esconder frustrações e
insucessos e estaria, portanto, registrado naquele espaço a narrativa mais fiel de uma vida. Outro
ponto “positivo” deste tipo de texto se refere àquestã temporal: o diáio, diferentemente de
outros tipos de narrativas auto-referenciais, éescrito num espaç de tempo próimo ao da
vivêcia, o que minimizaria os lapsos de memóia e as imprecisõs. Por estes motivos, este tipo
de escrita supostamente seria mais verdadeiro, pois, desprovido da motivaçã de convencer e de
erros de relato.
O entendimento do diáio a partir das perspectivas acima citadas representa trê
equíocos: primeiramente, nã se pode dizer que aquele que registra um diáio faz isso apenas
com o propóito de registrar para si e que ele nã tenha o intento de tornálo púlico em algum
momento da sua vida ou apó a sua morte. Principalmente, no caso das pessoas púlicas, que
se esmeram, de maneira organizada, em deixar àmã de possíeis biórafos ou de outros
possíeis interessados seus escritos ítimos. Éo caso de Simone de Beauvoir, que, ao longo de
suas autobiografias, cita grandes passagens de seus prórios diáios e guardou-os, assim como
a sua correspondêcia, de forma disciplinada. Boa parte de ambos, de fato, tornaram-se,
conhecidos pelo púlico, tanto pela citaçã de trechos em outras obras como també pela
publicaçã pótuma, organizada por Sylvie Le Bon de Beauvoir, sua filha adotiva.
Em segundo lugar, porque qualquer tipo de escrita seleciona o conteúo e a forma da
narrativa. Isto nã éparticularidade dos escritos destinados ao grande púlico. Nã existe um
registro neutro. Relendo o diáio que mantinha em sua juventude para se apoiar na escrita da sua
autobiografia, Beauvoir se surpreende com a ausêcia do relato de um fato que a marcou
fortemente: “mistéio e mentira dos diáios: nã mencionei este incidente que no entanto ficara no
meu coraçã”. Como explicar entã esse silêcio? Teoricamente, se ningué tinha acesso ao
seu diáio, ela deveria justamente relatar os acontecimentos mais marcantes, independente de
serem bons, vergonhosos ou ruins. Mas quem disse que o autor nã éleitor? Quem disse que
nã sã diferentes, ainda que partilhem de certa unidade?
Por útimo, nem sempre o diáio éapenas o relato cotidiano das atividades vividas
recentemente. Muitos diáios sã reflexõs sobre vivêcias antigas, uma espéie de discussã
consigo prório para esclarecer ou registrar sentimentos e impressõs atuais sobre o que se
viveu hámuito tempo. Terímos entã, dentro do diáio, narrativas de diferentes tipos:
autobiografias, memóias, testemunhos.
A narrativa epistolar éum outro tipo de narrativa auto-referencial. Quase sempre, éentendida como uma espéie de diáio destinado a um leitor outro que seu prório autor.
Diferentemente dos outros tipos de escrita acima descritos, a correspondêcia implica, em tese,
numa grande interatividade. Os temas das cartas nã sã ditados apenas pelo remetente,
trata-se de um diáogo prolongado com aquele a quem se dedica a escrita. Geralmente, esses
dois personagens encontram-se distantes geográica e temporalmente (esqueçmos do
imediatismo do email), o que sugere uma contextualização de grande parte dos temas narrados,
a fim de informar o mais amplamente possível o leitor da missiva. Assim como o diário,
considerado de uso terminantemente privado, as cartas também foram entendidas como
portadoras de verdades ocultas. Que surpresa então quando, após a morte de Beauvoir, boa
parte da sua correspondência foi divulgada e revelou-se, deste modo, comportamentos e
sentimentos desconhecidos da autora. Teriam as suas autobiografias sido escritas de má fé ou
sob pressão? As considerações maldosas sobre sua irmã que troca na sua correspondência com
Sartre ou com Nelson Algren não casam com a imagem benevolente e carinhosa que apresenta
ao público principalmente em Mémoires d´une jeune fille rangé, com a descrição de uma
Poupette (o apelido da sua irmã, Henriette-Hélène, que assinava Hélène de Beauvoir),
responsável por alguns dos momentos mais esplendorosos da sua infância e juventude e a quem
dedica a emocionante narrativa dos angustiantes momentos finais da vida de sua mãe. Que
versão estaria “certa”? Muito precipitadamente, poderia se concluir que essa verdade profunda
estaria nas correspondêcias.
Mas e se os dois relatos mostrassem de maneira verdadeira sua relaçã com Héèe? Se
esta relaçã realmente fosse desgastada, fria e sem grande profundidade emocional em algumas
fases da idade adulta, mas, por outro lado, fosse, por vezes, terna, calorosamente permeada de
um fraternal cuidado, regado pelas memóias dos primeiros anos? Uma possibilidade nã exclui a
outra.
Existem diversos outros tipos de narrativas de si, tais como as lembrançs, as anotaçõs,
os ensaios, as poesias autobiográicas e uma boa variedade no meio virtual, como algumas jáapontadas anteriormente (emails, blogs, fotologs, etc.). Não existe possibilidade neste curto
espaço de discutir cada um deles, nem este é o propósito deste texto. A intenção de evocá-las
era apenas para provocar, a partir de algumas considerações, o debate sobre a credibilidade de
algumas fontes auto-referenciais, levando-se em conta aquelas que estão prioritariamente ligadas
ao meu objeto de pesquisa.
Por que a escrita de si pode e deve ser considerada como um objeto e/ou como fonte do
saber histórico? Como se justifica este interesse da história pelas narrativas auto-referenciais?
Beatriz Sarlo diz que, não só as narrativas auto-referenciais passaram a ser consideradas como
importantes fontes de pesquisa histórica, como são portadoras, na atualidade de um prestígio
considerável. Muito deste prestígio, sem dúvida, está relacionado à credibilidade associada à
primeira pessoa nas últimas décadas, evitando que se fale a partir de uma suposta pós-memória
(frágil conceito de acordo com Sarlo), credibilidade encontrada, sobretudo, nas categorias que
discutimos anteriormente, como supostamente fiéis retratadoras de determinada realidade. Mas
esta vantagem estranhamente se justifica igualmente por aqueles aspectos, que, à primeira vista,
poderiam parecer mais complicados: a escrita de si é um documento cujo conteúdo, em grande
parte das vezes, é parcial, fragmentado, ordinário, passional, entretanto, a importância desta
narrativa, “especialmente como documento históico, éidentificado justamente nessas
caracteríticas, e també em uma qualidade decorrente de uma nova concepçã de verdade,
prória à sociedades individualistas”.
Que verdade seria esta? Primeiramente, ela épluralizada: fala-se de verdades, temos
fragmentos de realidade e nã uma reconstituiçã da realidade como um todo, nã se acredita
em uma essêcia; em segundo lugar, sã verdades reveladas por uma memóia construía
baseada na experiêcia singular, lembrando-se, todavia, que existe um diáogo permanente entre
o particular e o todo. A narrativa auto-referencial, como expoente da singularidade e da
parcialidade (ainda que se busque uma unidade), longe de se mostrar como fonte sem utilidade
para a históia, revela-se, portanto, como um excelente espaç de investigaçã históica.
Qualquer fonte, como todo profissional sabe, deve ser compreendida atravé de um vié
críico e isto exige uma metodologia de anáise apropriada, que leve em conta suas
especificidades de narrativa. Isto reduz os riscos de uma leitura ingêua e, ao mesmo tempo, que
se cobre da fonte algo que esta nã se propõ a resolver. Um dos critéios pelos quais uma
escrita autobiográica éjulgada éo da intençã de verdade. Sobre esta intençã e a
impossibilidade de se chegar a uma essêcia verdadeira, comenta Philippe Lejeune:
O que distingue a autobiografia do romance, nã éuma impossíel exatidã
históica, mas apenas, o projeto, sincero, de retomar e de compreender sua
própria vida. É a existência de tal projeto que importa, e não uma sinceridade no
limite impossível. Tanto é natural exigir de um autobiógrafo o projeto de dizer a
verdade, tanto é ingênuo criticá-lo por não tê-lo conseguido.
E o autobiógrafo não consegue dizer a verdade porque ela não existe em si. A única
verdade que se pode encontrar é a do autor. Isto não significa que a autobiografia não contenha
inexatidões, que ela não possa, em alguns momentos, até mesmo se mostrar tendenciosa ou
fazer relatos equivocados, mas o que interessa ao historiador “éexatamente a óica assumida
pelo registro e como seu autor a expressa. Isto é o documento nã trata de ‘dizer o que houve,
mas de dizer o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relaçã a
um acontecimento.”
Se o interesse reside entã na perspectiva assumida pelo autobiórafo, as imprecisõs
nã invalidam a narrativa auto-referencial enquanto documento históico. Estáclaro que o
historiador nã vai absorver as informaçõs veiculadas nesta escrita sem confrontar com outros
documentos, atémesmo porque isto éessencial para entender o autor, suas motivaçõs e seus
posicionamentos - nã existe vida individual que nã remeta a uma coletividade - mas o fato de
haver eventuais equíocos nã compromete o valor desta escrita para a históia. Todo texto
autobiográico éverdadeiro naquilo a que ele se propõ: narrar determinados acontecimentos ou
fenôenos a partir de uma óica muito particular: desta forma, a hierarquizaçã das narrativas
auto-referenciais de acordo com seu potencial de verdade éum projeto desprovido de sentido:.
Nã existe uma verdade essencial, existem verdades do autor. Atéas possíeis mentiras que
podem ser encontradas numa carta podem ser reveladoras. Que motivos para que o remetente
aja desta maneira? De que jogo de interesses ele participa? Épossíel compreendêlo? Sã
muitas as perguntas que o conhecimento históico dirige à narrativas de si e elas sã levantadas
pelas mais diferentes motivaçõs.
Neste breve texto, tentamos explorar as relaçõs entre práicas escritas da produçã de si
e o saber históico, a partir do critéio de verdade. Váias sã as noçõs caras ao conhecimento
históico, que sofreram o impacto do redimensionamento das relaçõs entre sujeitos e
coletividade e da decorrente valorizaçã das práicas de produçã de si: memóia, tempo,
documento e verdade sã algumas delas. Optamos por discutir de maneira mais aprofundada
esta útima, relacionando-a àquestã da verdade entendida como sinceridade, que éum dos
princíios da escrita auto-referencial, salientando, evidentemente, que esta temáica estálonge de
se esgotar.